Treinamento x competitividade (SGS Academy)
O Fórum Econômico Mundial (WEF) produz anualmente o Relatório Global de Competitividade. Na última edição (2013), o Brasil perdeu 8 posições, passando a ocupar a 56ª posição do ranking, em um total de 148 países. Tal queda posicionou o Brasil no mesmo patamar de 2010, ou seja, recuamos 3 anos invés de avançar. Mas o que tem a ver tal ranking com treinamento?
O ranking é composto por 12 “pilares”, como o próprio WEF denomina. E o pilar que puxou de forma mais significativa o indicador para baixo foi a “eficiência do mercado de trabalho”. Rigorosamente, este indicador tem destaque negativo em função das práticas de contratação da mão-de-obra, carga tributária e burocracia relacionada à gestão de RH. Em 2012 o Brasil ocupava a 69ª posição neste pilar e desabou 23 degraus, passando a ocupar a 92º lugar do ranking. A legislação trabalhista, formas de contratação e toda sorte de obrigações acessórias (PCMSO, PPRA, LTCAT, PPP, etc.) entulham os RH das empresas. Seus gestores têm boa parte de seu tempo dedicado a estas atividades que, de fato, não adicionam valor ao negócio e nem têm qualquer ligação estratégica. E quanto tempo sobra para se dedicar ao que é estratégico, em especial ao levantamento de necessidades de aprendizado para se realizar as ações estratégicas? Muito pouco, esta é a verdade. E o resultado, tanto em cada unidade empresarial, como na economia em geral, é a perda da competitividade.
E no campo do treinamento, o que tem feito as empresas?
Para dar um acabamento mais vistoso, costuma-se classificar treinamento como “investimento”. Rigorosamente, trata-se de um desvio de classe, uma vez que a rubrica correta é despesa. E não há nada de errado ou até mesmo um demérito em ser despesa. Pelo contrário. Talvez porque o conceito correto de despesa não seja de pleno domínio de todos, exceto aqueles que estudam a Ciência Contábil. Porém, uma vez embalada na categoria “investimento”, não seria oportuno calcular, medir mesmo, o ROI destas ações de investimento?
Muito embora possa parecer um incômodo na partida, toda vez que se utiliza um determinado indicador, métrica ou, usando a expressão da moda, KPI (Key Performance Indicator), a discussão passa a ser feita de forma mais objetiva, com base em números e com potencial de projeção ou de tendência. O fenômeno ocorreu de forma análoga na área de publicidade e marketing. Creio que chegou o momento de iniciar a mesma via em T&D. Até porque sinto que não há uma área de intersecção entre as necessidades reais e vitais para se desenvolver as pessoas com o modus operandi que os principais temas de T&D. É o que depreendo da pesquisa feita pela ABTD de 2013.
O último relatório produzido pela ABTD (Associação Brasileira de Treinamento e Desenvolvimento), denominado “O Retrato do Treinamento no Brasil” revela que:
i. os investimentos em treinamento e desenvolvimento aumentaram em relação a 2012;
ii. uso de tecnologia para treinar os participantes. 48% dos entrevistados mostram predileção para as formas de e-learning e a mais nova coqueluche: mobile learning;
iii. interesse nos seguintes temas: liderança (81%); comunicação e feedback (58%); atendimento ao cliente (39%), treinamentos obrigatórios (22%) e tecnologia (17%).
Cotejando o macroambiente, que mostra nitidamente a queda da competitividade brasileira, com as tendências expostas da pesquisa da ABTD, surgem algumas reflexões que acredito serem úteis para tornar de fato o treinamento como elemento vital para o desenvolvimento. São as seguintes perguntas:
a) As verbas destinadas a treinamento têm obtido aumento no orçamento geral das empresas. Muito embora salutar tal investimento tem levado a um aumento da eficiência? Tal qual ocorreu na área de propaganda e marketing, onde se iniciou uma discussão do ROI das campanhas de marketing, não seria oportuno iniciar uma discussão em torno do ROI do treinamento?
b) Os fatores de eficiência foram os maiores destaques negativos no relatório da WEF, sendo a eficiência do mercado de trabalho o pior de todos os pilares observados. Será mesmo que o uso de tecnologia (sempre benvinda) como e-learning e mobile learning vão ao encontro ou vão de encontro à resolução deste problema, em especial onde há a maior demanda e que promoverá o aumento da eficiência: as funções operacionais?
c) As duas temáticas predominantes são “liderança” e “comunicação e feedback”. Estariam nestes temas a chave para passar a inflexão, romper com status quo e se posicionar como uma empresa de fato diferenciada?
Um dos caminhos percorridos de forma recorrente pelas empresas é a repetição. E o aumento da verba, a priori, parece-me fazer mais do mesmo.
O que estou propondo, e convidando, é uma reflexão. Até porque eu não tenho todas as respostas. Todavia, o que parece, é que o RH das empresas precisa ocupar a função de vanguarda. Até mesmo para fazer com que talentos de fato sejam desenvolvidos nas organizações. E talento em todos os níveis, nas mais diversas funções. Ocorre que, pela observação pessoal e vivência como professor e consultor, enxergo que os treinamentos voltados à capacitação das funções operacionais (na produção, venda, compra, financeiro, logística, etc.) deveriam ocupar o lugar de destaque.
Neste sentido, como o próprio título deste artigo provoca a reflexão, temos que debater se de fato o treinamento tem levado as organizações ao desenvolvimento.
A pergunta pode parecer estranha, sobretudo para profissionais que têm como métier a capacidade e habilidade de educar pessoas em univervidades, centros de treinamento, universidades corporativas, cursos abertos ou in company.
Instigado pela pergunta que me propus a responder, sem a necessidade metodológica que este tipo de artigo necessita, mas adequando ao seu propósito, fui em busca de elementos. Derrubar a estante! Esta é a expressão que normalmente usamos quando um determinado desafio de pesquisa se posiciona em nossa frente.
O primeiro passo foi reler coisas que já escrevi e publiquei. Em seguida, a recordação, separação e a leitura de artigos.
A primeira lembrança foi de um editorial que eu li quando preparava minha tese de doutorado elaborado pelo Prof. Marilson Alves Gonçalves da FGV1 . Neste brilhante editorial, e já temos a plena maioridade deste texto (18 anos), Marilson destaca vários pontos que ainda hoje geram dúvidas no planejamento de T&D, a saber:
i. Treinamento não é motivador. É um fator de higiene tal qual outros tantos;
ii. Com treinamento (e só com ele) não é possível oferecer garantia de transformar as habilidades. Sem treinamento, por seu turno, as empresas são penalizadas pelos altos custos, dentre eles, o turnover;
iii. O treinamento pode até mesmo se transformar como elemento de insatisfação, quando não há uma clara e objetiva política de remuneração (meritocracia);
iv. Nos níveis operacionais, em especial, o foco é mais educacional que de instrução;
v. Nos níveis gerenciais há o constante dilema em ser o bastião de resistência às mudanças e agente de empowerment;
vi. Muitos programas partem da crença singela que a “sensibilização” acompanhada de palestras e atividades lúdicas poderão mudar o comportamento;
vii. A mera apresentação dos “nossos erros” em contraposição de “empresas de ponta”, não muda o comportamento das pessoas. O comportamento muda quando as pessoas constroem, fazem e controlam, juntas, a transformação estratégica de uma empresa;
viii. A crença na criação de multiplicadores é um erro crasso; e caro;
São pontos que tenho certeza não são tão comuns de serem explorados em artigos voltados à discussão de T&D. Mas se quisermos realmente que treinamento tenha ligação com desenvolvimento, tais questões precisam ser debatidas ad nauseam.
Retomando a linha da competitividade, quais são os top 10 segundo o relatório do WEF? Vamos à lista:
1 – Suíça
2 – Cingapura
3 – Finlândia
4 – Alemanha
5 – EUA
6 – Suécia
7 – Hong Kong
8 – Holanda
9 – Japão
10 – Reino Unido
E quais seriam as principais diferenças praticadas em treinamentos nos chamados países de ponta e o Brasil? Esta pergunta foi a condutora de um estudo de Gardênia Abbad (et. al, 2003) . Segundo os autores, no caso brasileiro, a característica do treinamento é uma “associação à realidade do trabalho com uso de exercícios práticos”. Já no caso de países estrangeiros “há um estímulo ao conhecimento estratégico com a aquisição de conhecimento e aplicação da habilidade” (grifos por minha conta).
Pelos fatos expostos e estudos realizados, acredito que seja bem-vindo um ROI em treinamento. Precisamos sair da mesmice e transformar P&D como peça vital estratégica de uma empresa. Elas precisam, o Brasil também. Não é mais possível ocupar um lugar vergonhoso na competição mundial. Talvez até mesmo se consiga fazer com que T&D não seja mais um fator higiênico e transforme-se como um fator motivacional e transforme pessoas. Para tanto, parece que uma avaliação precisa, cirúrgica mesmo é fundamental nos temas que os RH vem demandando. Finalmente, o toque de Midas: a utilização de metodologia mnemônica, que imita o ambiente de trabalho, deve ser trocada urgentemente. Somente assim poderemos dar um verdadeiro salto quântico.
1 Gonçalves, Marilson Alves. Treinamento sem educação e sem planejamento é semente em terreno não-arado. RAE-Revista de Administração de Empresas, vol. 35, n. 3, maio-jun 1995
2 Abbad, Gardênia; Pilati, Ronaldo; Pantoja, Maria Júlia. Avaliação de Treinamento: análise da literatura e agenda de pesquisa. RAUSP, v. 38, n. 3, p. 205-218, ju/ago/set 2003